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Os Títulos de Crédito como Instrumentos de Captação de Recurso na Economia Contemporânea

A palavra crédito, em qualquer das suas acepções, sempre fora associada à conotação de positividade, o que reflete a sua indiscutível importância para as relações humanas ao longo dos tempos.

Originada do latim, creditum, significa “crença”, denotando o ato de acreditar, a menção semântica de crédito foi mencionada por Jairo Saddi em várias matizes do convívio em sociedade, lembrando que “Horácio, por exemplo, refere-se ao crédito que temos com Deus – claramente no sentido de confiança”. No sentido de empréstimo, lembrou o autor que Shakespeare, “no seu clássico O mercador de Veneza faz com que Shylock, o judeu agiota, se valha do termo ‘crédito’ como ‘habilidade de levantar recursos’ e de forma mais ampla do seu uso para denominar sua operação financeira com Antônio”.

No direito comercial, é o que nos importa nas presentes linhas, o conceito de crédito conta, via de regra, com a presença de elementos essenciais à sua configuração: Para Túllio Ascarelli, o crédito é definido como

A possibilidade de dispor imediatamente de bens presentes, para poder realizar, nos produtos naturais, as transformações que os tornarão, de futuro, aptos a satisfazer as mais variadas necessidades”.

Para Jairo Saddi, a condição intertemporal do crédito é bastante enfatizada, na medida em que afirma que a sua escolha (intertemporal) “é a dimensão mais importante do crédito. Por permitir uma antecipação dos desejos de consumo, concretizando uma demanda que, de outra forma, estaria insatisfeita e potencialmente existente”.

Além do aludido elemento (intertemporal), o autor identifica mais duas características imanentes à concepção de crédito no cenário moderno: a mutualidade de obrigações e a sua importância ante a demanda existente no mercador. Assim, afirma a sua doutrina que:

Podemos inferir que existem três elementos conceito de crédito, os quais nos ajudam a melhor entender a sua função na sociedade moderna:

  1. A escolha intertemporal entre o futuro e o presente, entre quem tem e quem precisa;
  2. A prestação e contraprestação entre as partes, cuja obrigação se reveste de direitos por um lado, mas de exigibilidade por outro;
  3. A existência de um mercado e a constatação de que impacta o desenvolvimento econômico”.

Percebe-se que, embora milenar, a substância da conceituação de crédito no âmbito comercial pouco foi alterada, o que, ao nosso sentir, possui uma clara explicação: a sua importância para o desenvolvimento econômico da sociedade.

A importância do mercado de crédito foi abordada por Jairo Saddi, ao discorrer que:

“reconhecido como verdade incontestável que um dado país não consegue se desenvolver sem um amplo e estável mercado de crédito, onde exista abundância tanto de ofertantes como de tomadores de crédito, e que esse crédito seja acessível em custo. Aliás, o próprio conceito de democracia econômica, ou o desenvolvimento sustentável de longo prazo que permita o combate à pobreza, depende de um mercado de crédito crescente que inclua a todos. O conceito de inclusão pelo mercado de crédito é, segundo alguns, o mais perfeito exemplo de cidadania”.

No Brasil, o período imperial inaugurou o histórico da trajetória do crédito, de fato, balizada pela fundação do Banco do Brasil, suas diversas mudanças na condução da política financeira (formuladas pelos governos vigentes) e pelas relações com as demais instituições bancárias, inauguradas progressivamente no país.

O sistema de crédito do Brasil passou momentos de relevo em usa trajetória, como a redemocratização de 1945 (com a consolidação de um sistema bancário sob a égide da Superintendência da Moeda e Crédito); a criação do Banco Central, em 1964, disciplinado por uma política monetária mais moderna, as crises bancárias das décadas de 70 e 80 do século passado e criação posterior do PROER.

Assim, embora relativamente “recente”, o sistema creditício do país já se submeteu às significativas mutações advindas de sua limitação estrutural, as quais impõem, ainda nos dias de hoje, algumas dificuldades no que se refere à captação e mobilização de crédito.

A tradicional captação de crédito através do sistema financeiro

Nos moldes da práxis econômica clássica, a captação de crédito ocorria através da intermediação financeira de bancos, os quais se utilizam de recursos advindos da mobilização da poupança popular como lastro para a concessão de crédito no mercado.

A poupança popular, pois, é dotada de importância no modelo clássico de captação de crédito, sendo que, a atividade bancária, neste prisma, pode ser melhor compreendida através dos conceitos doutrinários acerca da figura do banco:

Na dicção de Vivante, “o banco é o estabelecimento comercial que recolhe os capitais para distribuí-los sistematicamente com operações de crédito”. Já para Carvalho de Mendonça, trata-se de “empresas comerciais, cujo objetivo principal consiste na intromissão entre os que dispõem de capitais e os que precisam obtê-los por meio de operações de crédito”. Fran Martins, por seu turno, o define como aquelas “empresas comerciais que têm por finalidade realizar a mobilização do crédito, principalmente mediante o recebimento, em depósito, de capitais de terceiros, e o empréstimo de importâncias, em seu próprio nome, aos que necessitam de capital”.

Em suma, pode-se afirmar que o modelo clássico de mobilização e concessão de crédito situa-se em dois pilares:

  1. a mobilização, via aporte de valores realizados junto à instituição bancária, pelo poupador popular;
  2. a concessão de crédito ao interessado, desde que este suplante os critérios de segurança e confiabilidade utilizados pelo banco, no intuito de garantir a recomposição (valorizada) do crédito concedido.

A viabilidade do primeiro fator estrutural (mobilização da poupança) explica-se pela conhecida confiança que se deposita no sistema bancário e na estrutura de poupança popular. Acredita o poupador, via de regra, que seu dinheiro estará seguro se custodiado a uma instituição bancária, ao mesmo tempo em que se agrega certa rentabilidade ao valor depositado.

Quanto à outra “ponta” da operação, a concessão do crédito bancário, o sistema aqui tratado sempre se deparou com um fator de dificuldade, a assimetria informacional.

No mercado de crédito, referida assimetria se dá no sentido de que o devedor tem maior ciência de suas próprias condições de adimplemento, ou seja, a instituição bancária menos sabe acerca da possibilidade do candidato ao crédito de honrar com os débitos contraídos.

Sabe-se que as instituições financeiras, não dispostas a perceberem prejuízos em suas operações creditórias, contam com medidas para mitigar a assimetria informacional, tais como informações negativas e positivas junto à cadastros de análise de crédito, informações gerenciais acerca de clientes pessoas jurídicas, consultas cartoriais, judiciais, dentre outras.

A assimetria de informações, todavia, ao mesmo tempo em que se mostra um empeço para instituição custodiante da poupança popular, muitas vezes afigura-se problema para o potencial tomador, na hipótese em que este, embora intencionado a honrar com o pacto creditício, não alcança as exigências de concessão.

É verdade, por outro lado, que o crédito é facilitado ao pequeno consumidor, quando associado às políticas governamentais de incentivo ao consumo. Tal mecanismo, entretanto, não enseja estabilidade ao mercado de crédito, pois suas consequências redundam num ciclo vicioso, quando o aumento do consumo de massa incrementa a inflação, o que impõe ao governo medidas de aumento de juros e novo recrudescimento dos critérios de concessão.

Tais fatores negativos acerca da política clássica de concessão de crédito (esteado na poupança popular), aliado a diversos outros fatores mercadológicos aqui não mencionados, conduziu o Brasil a uma estrutura de crédito, citada por Jairo Saddi como “é pequeno no tamanho, volátil no tempo em sua oferta e caro em sua estrutura”.

A captação de recursos no mercado financeiro e de capitais através dos títulos de crédito

Em meio às inevitáveis dificuldades institucionais vividas pelo país, um cenário vem modificando o contexto de captação de recursos na economia moderna, qual seja, a crescente criação de novas modalidades, da emissão e da utilização dos títulos de créditos. Trata-se de um mecanismo eficiente, ágil e seguro de circulação de riquezas, capaz de modificar substancialmente a dinâmica creditícia no mercado.

Quanto ao tema, com propriedade elucidou o professor Jean Carlos Fernandes que:

A economia moderna é essencialmente creditícia, tendo os títulos de crédito surgido para dotar de segurança e de facilidade a transmissão dos direitos por eles representados. A circulação dos direitos e, especialmente dos direitos de crédito, constituem um imperativo da economia moderna que o regime jurídico da cessão de crédito não satisfaz adequadamente.

Segundo BrosetaPont, Ninguna Duda ofrece El importante papel que históricamentehandesempeñadolos títulos-valores. Baste pensar que La economia moderna esesencialmente creditícia, y que em Ella El crédito se há convertido em La palanca fundamental de sudinamicidad interna. Ahorabien, La transmisibilidade e losderechos de contenido patrimonial debeverificarse com ele máximo de rapidez, de simplicidad y com ele mínimo de inseguridad para El adquirente. Precisamente ES aqui donde se situa La funciónesencial de los títulos-valores, como instrumentos destinados a procurar uma circulación ágil Del derecho de crédito, sinrecurrirAlprocedimiento ordinário de cesión Del crédito própia Del Derechocomún.

Mais à frente, esclarece o douto autor que,

segundo o Banco Mundial, na execução de dívidas garantidas, devem-se estabelecer métodos eficientes, econômicos e transparentes para fazer valer o direito do credor. Os processos executivos devem prever a realização antecipada de direitos sobre os bens garantidos, concebidos para permitir a máxima valorização do valor dos ativos em função do mercado de crédito. Para isso, o título de crédito apresenta enorme utilidade.

É nessa esteira que os títulos de créditos têm figurado cada vez mais na captação de recursos no mercado financeiro e de capitais atual, a tendência é a expansão crescente.            

Esse contexto pode ser ilustrado, primeiramente, pelo setor do agronegócio. A título de exemplo, vale mencionar que Têxtil Coteminas realizou, em julho de 2014, uma captação de R$ 270 milhões, a fim de financiar o pagamento de matéria prima para a produção de tecido. A forma de captação foi através de títulos com lastro recebíveis do agronegócio, o CRA.

Esta forma de captação de recursos vem atraindo produtores de grande porte, sendo que, no mesmo ano de 2014, o total de captação através da emissão de CRAs deve atingir a monta de R$ 1,2 bilhões de reais.

O CRA, que conta com possibilidade de prazos de pagamento mais elásticos em relação ao financiamento usual, tem entre os emissores mais frequentes as sociedades produtoras de açúcar e álcool, mas é comumente usada, também, por fornecedores de insumos, dentre outros.

Já a Letra Financeira, instituída em 2009 através da Medida Provisória nº. 472, convertida na lei nº. 12.249 em 2010, foi criada no intuito de possibilitar às instituições financeiras a emissão de “papeis” para a mobilização de crédito no mercado, na medida em que as debêntures tinham a emissão vedada por tais instituições.

A Letra Financeira foi instituída como medida de saneamento econômico ante a crise de 2008, que desencadeou uma significativa escassez de crédito. O mercado financeiro (e posteriormente o de capitais) precisava, portanto, propiciar às instituições financeiras a melhora na quantidade de recursos captados, além de possibilitar a consecução de prazos de pagamento mais extensos.

A LF possui valor mínimo de investimento nos patamares de R$ 150 mil a R$ 300 mil reais, já sendo considerado um dos grandes instrumentos (título de crédito) de captação de recursos por parte das instituições financeiras.

Sem a pretensão de abordar todos os títulos utilizados para a captação estratégica de recursos, importa mencionar os títulos de crédito do mercado imobiliário, cujo crescimento se deu de forma muito significativa nos últimos anos.

Em razão da normatização aplicável, 65% dos recursos da poupança popular devem ser direcionados ao crédito imobiliário, entretanto, o que se verifica no mercado é o crescimento do setor imobiliário e a demanda é maior do que a evolução da poupança.

Assim, o aquecimento do setor imobiliário ensejou o proporcional crescimento das operações de securitização previstas na lei n. 9.514 de 1997, a qual instituiu o Sistema de Financiamento Imobiliário.

As operações estatuídas pela lei mencionada serão abordadas de forma detida neste artigo, trata-se, sinopticamente, de um complexo de relações pelas quais dívidas imobiliárias são transformadas em títulos negociáveis, que passam a integrar o mercado financeiro e de capitais.

O instrumento utilizado para nas operações realizadas pela instituição securitizadora é o Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI), que, por sua vez, só pode ser lastreado por títulos de crédito representante de obrigações imobiliárias, sendo a Cédula de Crédito Imobiliário a mais eficaz nessa dinâmica própria.

Resta claro, pois, que o cenário de captação de recursos exclusivamente através da mobilização de poupança se modificou, os títulos de créditos, sobretudo os mais “recentes”, criados para a fomentação financeira de nichos específicos, passaram a proporcionar uma forma mais dinâmica de captação de recurso nos mercados financeiro e imobiliários, modificando definitivamente o cenário da economia contemporânea.

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